Enlevo I

E agora, de volta ao papel me acho feito. Me vejo, e não entendo, estou irritado, porque invento. Queria eu ficar quieto as horas obtusas. Queria eu ficar silencioso no papel em branco. Mas, em mim, não consigo, e nos outros, sou mal visto. O que poderia ver, o que me seria permitido fazer? Escrever a vida animada e orgíaca, diante dos prazeres do corpo em esplendor,  mas isso ainda é pueril demais, talvez estarei velho e sem vida, já morrendo com os olhos fatigados…


Uma mulher na rua anda graciosa. Seus cabelos esvoaçam na leve brisa, assovia os fios num dançar melódico. Seus olhos, negros e penetrantes. Seus passos, moles e concisos. Vê um homem a sua frente, ele a encara com as pupilas penetrantes, e a ameaça com sua ferocidade.

Desculpe me leitor, não vejo mais sentido em escrever-te. Você é mudo. Porque exigi-lo? quase chorei, e tu não me abraças, quase me perco, e tu não me alcanças, em mim me despedaço e você não me desembaraça, o que faço sem você é loucura, desgraça. Terá sentido, te escrever em todas as horas da vida fatigada? cansativa? terei paciência vã de após leituras outras, te alcançar vitorioso e por no papel aquilo já pensado, antes dos passos vindouros? Não sou tão alto, prescindo de palavras, elas são mais nobres. Talvez, não seja tão baixo a ponto de não encontrá-las. Queria te dizer mais, mais, muito mais. Talvez planetas inteiros, talvez interiores mineiros, benditos santos alados, talvez vastas florestas e movediças areias, mas antes, muito antes, lá onde as coisas se tocam, ali me despedaço, e palavra e ato se refazem numa variação infinita, e chegar ao papel, um passo inimaginável, já não poderia ser aquilo que gostaria de falar.

A minha insensatez talvez seja falar, talvez devesse me calar diante da falta de assunto, diante dos infortúnios, diante de coisas outras...